Para o último destino da sua aventura, o nosso editor aterra em Bagdad. Escusado será dizer, a capital Iraquiana goza de uma reputação infame, alavancada pela invasão americana de 2003 e pelos tenebrosos episódios a que, durante uma década, assistimos pela televisão. Bem-vindos ao Iraque, uma das nações menos compreendidas do mundo!
Aterro em Bagdad às 02h00. O aeroporto, embora pequeno e humilde, é relativamente organizado. Sou encaminhado para uma pequena secretária, onde nas laterais está colada uma folha de papel com a palavra “Visa”. Bom, parece que estou no sítio certo. Depois de preencher um documento e esperar cerca de 1 hora, lá me devolvem o passaporte com o autocolante mágico. O preço é de 80 USD, mas como quero pagar com Euros, acabo por ficar ali numa curta negociação com o guarda. Um país onde podes negociar o valor do visto directamente com a polícia no aeroporto? Acho que vou gostar deste sítio!
Neste momento, o Iraque é um destino relativamente seguro, mas continua a ter zonas específicas para controlo e identificação. Só para sair do aeroporto, é necessário passar 2 ou 3 checkpoints, controlados por militares. O mesmo para aceder a algumas zonas da cidade, como a famosa “Green Zone”, um distrito de Bagdad, junto às margens do Rio Tigre, onde estão situadas todas as embaixadas e edifícios governamentais. Esta área foi criada pelos Americanos aquando da invasão de 2003, e embora os Yankees já não estejam por cá, o perímetro de segurança manteve-se. Enquanto turista, não me é permitido entrar na Green Zone.
Em plena madrugada, os arredores de Bagdad são escuros, vazios e silenciosos. Ainda não sei o que me espera, mas não consigo afastar a sensação de nervoso-miudinho. Um pouco por todo o lado, os prédios e descampados estão rodeados de arame farpado e barreiras anti-explosão, filas intermináveis de blocos de cimento perfeitamente alinhados. Quando contava a amigos e família os meus planos para o Médio Oriente, sei que instintivamente formavam uma imagem mental estereotipada de países como Líbano, Síria, Arábia Saudita, Irão ou Iraque. Uma imagem que raramente correspondia à realidade visual no terreno. No entanto, e a par de algumas cidades Sírias, recentemente destruídas durante a Guerra Civil, o Iraque parece ser o país que mais se assemelha a esse estereótipo que a maioria das pessoas tem do Médio Oriente. Entre o lixo, o calor abrasador, a poluição e os resquícios de destruição e pobreza deixados no rescaldo do conflito que durou entre 2003 e 2011, dá para perceber que Bagdad passou um mau bocado.
A infraestrutura é praticamente inexistente, e os transportes públicos são pouco mais que uma miragem. Para além disso, os hotéis não abundam pela cidade, existindo ainda menos nas plataformas online. Para viajar aqui, é preciso ler blogues, entrar em grupos de facebook, fazer perguntas. As booking’s e air bnb’s são substituídas pelas conversas de whatsapp para garantir uma reserva. Aliás, tudo é tão informal, que quando chego enfim ao meu hotel, não havia sequer registo da minha reserva. Pouco importados e divertidos por verem um turista estrangeiro, os putos que trabalhavam na recepção mostram-me um dos quartos, que haveria de se revelar um verdadeiro desastre. Velho, danificado e sujo. Muito sujo. Após verem a minha reacção pouco impressionada, e quiçá com um pouco de vergonha (ao longo desta viagem vim a perceber que poucos povos recebem tão bem ou querem tanto agradar a quem vem de fora quanto os Iraquianos), comentam que a mesma gerência abriu um outro hotel recentemente, no fundo da mesma rua, e que posso ficar lá pelo mesmo preço. De pé atrás, lá aceito dar uma vista de olhos, sem compromisso. Não é o Hilton, claro, e a electricidade de todo o hotel teima em ir abaixo umas 2x por hora, mas pelo menos o espaço é agradável e o quarto é limpo. Às 05h00, e já com o sol a começar a raiar pela janela, caio finalmente na cama. Amanhã é que vai ser!
Não foi. Os planos saem furados e não consigo fazer nada daquilo a que me proponho. Afinal, é 6a feira, dia de descanso sagrado no Islão, e, tal como cantaram os Ornatos, “a cidade está deserta”. Aproveito para repor energias da directa da noite anterior e resguardar-me do extremo calor que se faz sentir em Bagdad. Quando cai a noite e com ela as temperaturas, desço à rua para um passeio improvisado a sós (e nem a minha fiel câmara me acompanhou). Sem qualquer programa ou direcção, aventuro-me pelas ruas traseiras do meu hotel, situado entre a Praça Firdos, onde a estátua de Saddam Hussein foi derrubada em 2003, e a Praça Tahrir, palco dos gigantescos protestos que levaram à demissão do governo iraquiano em 2019.
O ambiente é tão contagiante quanto confuso. Tão apelativo quanto repugnante. Tão hospitaleiro quanto hostil. Um autêntico caos contido, onde, na ausência de qualquer lampião de rua ou luz proveniente dos vários prédios que flanqueiam as vias que vou atravessando (será que vive aqui alguém?), as ruas são artificialmente iluminadas pelos focos das inúmeras bancas de comida de rua e outros restaurantes de ocasião. O tráfego automóvel, constante por toda a capital Iraquiana, partilha as mesmas estradas esburacadas que os talhos locais, enchendo os bueiros de sangue e entranhas, mas também de poeira, gasolina e óleo de motor. Dá para perceber que esta é uma zona pobre, daquelas onde os Iraquianos mais jovens e trendies raramente entram. As muitas crianças que palmilham estes passeios (se é que lhes podemos chamar passeios) trazem roupas sujas e gastas, a contrastar com a gargalhada fácil e a pinta de reguila. Pedem dinheiro, conforme foram ensinadas, mas o que lhes abre mesmo o sorriso é a oferta de um gelado de 0,35€.
Digamos que estas não eram bem as 1001 noites que tinha em mente, mas nem por isso deixo de me sentir intrigado. Embora a fome aperte e o estômago já peça qualquer coisa, este não é – de longe – o local ideal para me inaugurar nas lides da comida de rua iraquiana. Caso precisasse de mais alguma indicação, a constante presença de moscas nas tábuas de corte são o lembrete perfeito de cada vez que penso arriscar. É que ainda agora cheguei, e ficar de cama é capaz de ser chato. Não que o negócio precise de mim, já que as esplanadas improvisadas estão cheias e, mesmo à falta de espaço, grupos de amigos sentam-se em mantas e caixotes de cartão junto aos seus carros, mantendo uma das portas abertas enquanto o rádio do veículo toca música ambiente. Isto é gente simplesmente feita de outra fibra.
Como já deu para perceber por esta descrição, e à semelhança do que vem acontecendo desde o final da década de 80, os tempos estão longe de ser fáceis. Mas nada disto é novo para Bagdad. Ao longo dos últimos 3000 anos, a cidade já teve que se reinventar muitas vezes. Por entre invasões mongóis, guerras devastadoras e ditadores sanguinários, esta está longe de ser a primeira vez que a capital está na mó de baixo. Em perspectiva, a situação actual é uma gota quando comparada com o oceano que é a história da cidade. Afinal, não esqueçamos que foi por terras Iraquianas que se criaram algumas das primeiras grandes civilizações da história da Humanidade. Por aqui se inventou a escrita, a matemática e a astrologia. Por aqui passaram filósofos e cientistas de todo o globo, quando a cidade era o principal centro intelectual do planeta. Por aqui se encontram as ruínas daquela que foi, em tempos, a maior cidade do mundo. É por isso que, passem 1001 noites ou 1001 anos, Bagdad continuará aqui.
E eu fico tão feliz por ter podido vê-la.
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