Na crónica desta semana, o nosso editor relata aquilo que encontrou no regresso a Tbilisi, uma das suas cidades favoritas. Com a chegada recente de centenas de milhares de russos, fugidos da mobilização, abriram-se feridas difíceis de sarar na sociedade Georgiana. Uma reflexão sobre a história do Cáucaso, o perdão e a vingança.
Tbilisi é uma das minhas cidades favoritas em todo o mundo. A capital Georgiana é um daqueles raros exemplos onde consegues conjugar a familiaridade dos valores e hábitos europeus com o look e exotismo de uma realidade totalmente diferente. Seja pela sua história antiga, que viu Tbilisi constantemente saltitar de império em império, seja pela recente, na qual fez parte durante longas décadas da União Soviética, há algo de incomparavelmente diferente face às cidades europeias mais comuns, mesmo que demore um pouco até que consigamos perceber ao certo do que se trata.
No entanto, o ambiente de crispação está ao rubro e o ar pesado em Tbilisi. Uma vez que esta crónica poderá abordar alguns temas sensíveis, tentarei ser o mais factual possível. Já aquando da minha visita inaugural, em 2021, o sentimento pró-UE (e, por arrasto, anti-Rússia) era grande. Por todo o lado, era possível ver a famosa bandeira azul-escura com o círculo estrelado a esvoaçar, faltando apenas a Nona Sinfonia de Beethoven para compor o ramalhete.
Esse vasto e unânime apoio Georgiano ao Ocidente é já antigo. Afinal, e ainda hoje, cerca de 20% do país está ocupado por forças Russas, sob a forma dos estados da Abkhazia e da Ossétia do Sul. Outrora parte do território da pequena nação, e com populações étnicas georgianas numerosas, estas províncias funcionam agora como estados não-reconhecidos e semi-autónomos, sendo na prática regiões fantoches controladas e financiadas pela Rússia. No fundo, aquilo que a Rússia está desde 2014 a fazer às regiões ucranianas da Crimeia, Luhansk e Donetsk, já havia feito à nação Georgiana anos antes.
Não só, mas o país foi também alvo de uma invasão e ataque russos em 2008, precisamente depois do governo local declarar a sua intenção de se juntar à NATO. Face ao desequilíbrio mastodôntico de forças, o conflito ficou resolvido ao fim de apenas 5 dias, com o governo georgiano a ver-se obrigado a voltar atrás nas suas intenções. O mesmo havia acontecido nos anos 90, quando o conflito rebentou na Abkhazia, deixando milhares de Georgianos mortos e/ou deslocados. Como resultado, e oficialmente, quase 10% da população é na realidade refugiada dentro do seu próprio país, uma vez que nunca mais pôde regressar às suas províncias de origem.
Por todos estes motivos, nenhum povo entende ou simpatiza mais com a causa ucraniana que a Geórgia, tendo as agora emblemáticas bandeiras amarelas e azul claras passado a ser expostas por todo o lado, a par dos estandartes da UE e da NATO.
Face ao exposto, foi com naturalidade que a esmagadora maioria dos Georgianos se opôs à recente chegada de cidadãos “fugidos” da Rússia. Com o escalar do recente conflito na Ucrânia, largas centenas de milhares de Russos fugiram do seu país para escapar às sanções económicas impostas pelo Ocidente e ao potencial alistamento militar obrigatório. Uma vez que a UE e os EUA lhes fecharam às portas, estes cidadãos viraram-se naturalmente para a região do Cáucaso, com destaque para as cidades de Yerevan e Tbilisi (tendo muitos, acima de tudo de regiões vizinhas, optado pelo Cazaquistão, na Ásia Central). Afinal, são países com uma cultural ocidental profundamente enraizada e familiar, onde o russo ainda é largamente falado e – pormenor extremamente importante – com regimes de vistos extremamente favoráveis, podendo os cidadãos da Rússia permanecer na Geórgia e na Arménia por períodos de 365 e 180 dias, respectivamente. Quando esse limite temporal estiver a terminar, basta sair do país e voltar a entrar para reiniciar a contagem.
Apesar da oposição da população e de vários apelos para a mudança deste regime de vistos, o actual governo georgiano optou por adoptar uma postura pró-Rússia disfarçada, resultando nos gigantescos protestos do passado mês de Março. À medida que tudo isto acontece, as atitudes anti-Rússia têm-se multiplicado. Para lá das bandeiras da Ucrânia, UE e NATO, é possível encontrar por toda a Tbilisi inscrições altamente hostis para com os cidadãos do país agressor:
Para além disso, alguns estabelecimentos começaram a exigir a clientes russos que assinassem uma declaração de intenções para que pudessem entrar nos espaços. Nessas declarações, os assinantes reconhecem que condenam a Rússia pelas guerras levadas a cabo na Ucrânia e na Geórgia; que Abkhazia e Ossétia do Sul são parte integrante da Geórgia; que a Rússia ocupa actualmente, e de forma indevida, 20% do território Georgiano; que se comprometem a respeitar as leis, cultura e tradições da Geórgia; e que Putin é um criminoso de guerra. Pelo meio, insistem que se dirijam ao staff em Inglês ou Georgiano (não falar Russo tornou-se um ponto de honra, apesar de quase toda a população conhecer a língua). Se os clientes russos se recusarem a assinar ou a reconhecer o documento, não são autorizados nos estabelecimentos.
Durante o período que passei na Arménia, falei informalmente com 2 ou 3 Russos sobre a experiência da sua mudança para o Cáucaso. Todos me disseram que a vida na Arménia era tranquila, ao contrário do que acontecia em Tbilisi. Parecem envergonhados enquanto tentam não passar a ideia de que se estejam a queixar, mas entre dentes lá deixam fugir que muitos dos seus concidadãos optaram por sair de Tbilisi e realojar-se em Yerevan ao fim de alguns meses, uma vez que não estavam a aguentar o ambiente.
Pessoalmente, tenho uma posição um pouco dúbia neste tema. Naturalmente, sou contra qualquer tipo de discriminação. Esse sentimento adensa-se quando me refiro a países como a Rússia, onde os seus líderes não são eleitos de forma livre e/ou democrática. Para além disso, se há coisa que aprendi com as minhas viagens, é a nunca tomar todo um povo pelas acções do seu governo.
Por outro lado, é impossível não vislumbrar uma atitude geral de sobranceria, comodismo e oportunismo nos Russos que agora se mudaram para Tbilisi. Não duvido que não se revejam nas atitudes e políticas de Putin, mas a verdade é que apenas agora, que se viram pessoalmente afectados (por via das sanções e do alistamento militar) é que optaram por sair do país e tomar uma posição. Não consigo criticar os Georgianos que, olhando para isto, se indagam acerca do porquê destes mesmo Russos nunca terem mostrado qualquer tipo de solidariedade e oposição interna quando o seu país estava a ser atacado. Há 15 anos, enquanto a Rússia bombardeava, matava e afastava cidadãos Georgianos das suas terras de origem, não houve lugar a sanções ou consequências para o país agressor. Os Russos não viram a sua vida pessoalmente afectada, e por isso não saíram do país, ou mostraram publicamente apoio à Geórgia.
É um tema extremamente complexo e polarizador. Por um lado, é triste e extremamente agressivo ler algumas das mensagens pichadas nas paredes de Tbilisi. Por outro, é impossível pedir a um local, que viu o seu país e concidadãos atacados, que erga a bandeira branca e receba aqueles que vislumbra como opressores de braços abertos.
Gandhi disse que “olho por olho, e o mundo ficará cego”. Mas Stieg Larsson, reconhecendo um dos mais antigos e viscerais sentimentos humanos, escreveu na sua famosa trilogia Millennium que “planear vingança para ti e para os teus é não só um direito, mas uma necessidade absoluta”.
15 anos é uma gota no Oceano, e as feridas frescas são sempre as mais difíceis de sarar.
Para contratar o teu seguro de viagem recomendamos a Heymondo, que tem aquela que é, para nós, a melhor gama de seguros da atualidade, com uma relação qualidade-preço imbatível, e que inclui também cobertura para os teus equipamentos eletrónicos.
Se reservares connosco, através deste link, tens 5% de desconto no teu seguro e, ao mesmo tempo, dás-nos uma ajuda preciosa 🙂
Aconselhamos a marcar a tua consulta na Consulta do Viajante Online. Segue esta ligação para obter 3€ de desconto.
Reserva já os teus tours ou atividades no Viator, do grupo Tripadvisor! E ao fazê-lo estás-nos a dar uma grande ajuda 🙂